O Brasil segue se digladiando em uma guerra ideológica sem ideias, brigando pelos motivos errados e combatendo falsos inimigos. É um enorme desperdício de tempo e de energia. Se conseguissem deixar o ódio de lado, direita e esquerda veriam que seus objetivos não são opostos, mas complementares, e que suas divergências não são irreconciliáveis.
A diferenciação tradicional entre esquerda e direita era que a primeira defendia o proletariado, por meio da estatização dos meios de produção, enquanto a segunda defendia os detentores privados dos meios de produção, isto é, a burguesia, e seus privilégios. Isso deixou de fazer sentido por completo. A sociedade se sofisticou, não conta mais com duas classes apenas, mas dezenas, centenas, com interesses os mais diversos. E a estatização dos meios de produção fracassou miseravelmente.
O socialismo foi tentado na URSS, na Europa Oriental, na China, na Mongólia, na Coreia do Norte, no Sudeste Asiático, em Cuba, em meia dúzia de países da África, e de várias maneiras diferentes. Não deu certo em lugar algum, e, em todos os casos, sem exceção, levou os países a ditaduras brutais e à catástrofe econômica. É surreal que alguém ainda o leve a sério.
A esquerda sabe que só existe liberdade na democracia liberal, e que só a iniciativa privada gera riqueza, mas, como não gosta desse fato, recusa-se a reconhecer sua existência. Também sabe que o partido-símbolo da esquerda no Brasil criou o maior esquema de corrupção de todos os tempos e levou o país à bancarrota, mas tampouco reconhece esse fato.
O Brasil é um dos países mais injustos do mundo, e o mercado não é perfeito, não é capaz de incluir a todos. A direita sabe que a principal bandeira da esquerda, o combate à injustiça social, é legítima, mas, como não gosta desse fato, recusa-se a reconhecê-lo.
Igualdade exige mais Estado, mas Estado grande demais implica pouco crescimento (e talvez até injustiça social, por conta dos maus serviços). Liberdade econômica exige menos Estado, mas Estado pequeno demais implica injustiça social (e talvez até pouco crescimento, por conta da baixa concorrência). Com boa vontade, não deveria ser difícil chegar a um acordo: um pouco mais para a direita, seríamos como os EUA; um pouco mais para a esquerda, seríamos como a França. Não chega a ser uma escolha de Sofia.
Em vez de brigarmos pelos motivos errados, deveríamos ser capazes de deixar nossas diferenças, que são pequenas, de lado e juntarmo-nos para combater o adversário comum: a real oposição não é entre direita e esquerda, mas entre avanço — democracia, livre mercado, apoio social — e atraso.
E o atraso está na direita obscurantista (machistas, misóginos, homofóbicos, racistas, defensores de intervenção militar, da ditadura e da tortura) como Bolsonaro, Crivella, Feliciano; a esquerda rasa e tosca que imagina que todos os ricos são igualmente calhordas (PCO, PSTU, PCdoB e boa parte do PT e do PSOL); Lula e sua curriola de cleptocratas sindicais; o Brasil feudal, encarnado por Renan, Sarney, Jader, Collor et caterva. São eles os verdadeiros inimigos.
* Ricardo Rangel é produtor de cinema e TV
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