terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Marinha precisa cumprir seu compromisso com os cariocas - O GLOBO - Editorial.

A burocracia fardada tenta desmontar o entendimento que ela própria construiu com a burocracia civil. Seu objetivo é apenas ‘privatizar’ um espaço já consolidado como público

É dever da Marinha recuar, cumprir o acordo assinado com a Prefeitura do Rio, há mais de dois anos, e retirar imediatamente o bloqueio imposto ao patrimônio da orla marítima.

A cidade levou décadas para iniciar a recuperação de um trecho do Centro, no entorno do Mosteiro de São Bento. Investiu esforço, paciência e dinheiro dos contribuintes nesse projeto urbanístico. Apostou, com êxito, na própria capacidade de reinvenção.

De repente, a burocracia militar instalada na vizinhança decidiu tomar de assalto uma área pública, cercar a paisagem, o deque, a calçada, os jardins e o mobiliário urbano, além de confinar pedestres à passagem por um simulacro de curral gradeado.

A invasão realizada pela Marinha deve ser condenada de forma absoluta e por todas as razões. No aspecto formal, porque a instituição corretamente submeteu-se ao interesse público cedendo a área ao município e à Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto.

A documentação subscrita pela Marinha em 2014 é indiscutível: fez a cessão por tempo indeterminado, em caráter “irretratável” e “irrevogável” — expressão esta que o Comando do 1º Distrito Naval registrou duas vezes no “Termo de Servidão de Passagem”.

Se aplicada essa lógica de negação aos acordos assinados pela Marinha no Rio, seria possível aos monges beneditinos, por exemplo, reivindicar a devolução da área onde funciona o Arsenal, dois séculos e meio depois de terem doado a Ilha das Cobras à Força.

Talvez seja necessário examinar esse ato de invasão com lentes de periscópio que permitam enxergar muito além do eventual e estéril embate em torno de vontades pessoais e formalidades cartoriais.


Está-se diante de caso exemplar de autofagia burocrática, uma constante na administração pública brasileira com efeitos comprovadamente danosos ao erário e à vida dos cidadãos. O modelo é antigo, e conhecido: instituições acordam, em sintonia com o interesse público, mas logo a seguir, por interesses menores, engalfinham-se num embate burocrático destrutivo. O legado permanente é o prejuízo à comunidade.

Nesse episódio, a burocracia fardada tenta desmontar o entendimento que ela própria construiu com a burocracia civil. Seu objetivo é apenas, e tão somente, “privatizar” para alguns um espaço já consolidado como público, requisitando a área como “espaço vital” para o estacionamento de veículos dos mais graduados militares que trabalham no antigo Arsenal.

A Marinha precisa recuar urgentemente dessa batalha inglória e devolver o espaço à cidade, sob risco de passar uma mensagem errônea sobre a sua missão, que é servir ao interesse público, e não servir-se dele.



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O Almirante Cantareira- que nunca foi a guerra e que enjoa até nas barcas Rio-Niterói, mas é Almirante- queria ter seus cinco minutos de fama.
Jorge Eduardo Garcia

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