Nesse momento em que toda
Cidade do Rio de Janeiro discute sua preservação, nós da AMAB não poderíamos
deixar de estar no centro dessa discussão em relação a preservação do que
restou do nosso vastíssimo patrimônio arquitetônico, paisagístico, histórico e cultural.
Afinal, a história dessa
cidade pode ser contada - se não inteiramente, mas em grande parte - através
dos fatos históricos que tiveram origem em Botafogo.
Sabemos que muito de sua
arquitetura já se perdeu pela ganância da especulação imobiliária, no entanto,
para que no futuro nossos filhos e netos ainda tenham a chance de conhecer
alguns desses exemplares arquitetônicos que contam a história dessa cidade, vamos
lutar para que Botafogo seja, ainda que tardiamente, PRESERVADA.
A história do bairro de
Botafogo se confunde com a própria história da fundação da Cidade do Rio de
Janeiro em 1565. O Rio de Janeiro começou em Botafogo, quer dizer, no morro
Cara de Cão, onde hoje está localizada a fortaleza de São João, já que na época
não existia a Urca.
Quatro meses depois da
fundação, Estácio de Sá, resolveu demarcar os limites da Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro e doou, como era costume na época, a seu amigo
Francisco Velho, que também tinha ajudado na fundação do Rio, terras que iam do
morro da Viúva ao da Babilônia, e da Enseada de Botafogo à Lagoa.
Mas o bairro acabou sendo
batizado em 1590, quando Antônio Francisco Velho vendeu suas terras para um amigo,
João Pereira de Souza, o Botafogo.
A partir de 1680 surge uma das
figuras centrais da história de Botafogo, o padre Clemente de Matos. A
propriedade de Clemente abrangia quase todo o bairro. A frente da chácara dava
para a praia de Botafogo e ocupava uma área que ia da atual Rua Voluntários da
Pátria até a Marques de Olinda e se estendia até a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Na grande chácara, o padre
Clemente cultivava anileiras. Á noite, o lugar era praticamente deserto, nessa
época, o Rio era iluminado por lamparinas com azeite de baleia.
Até o início do século XIX, o
bairro era praticamente despovoado e considerado uma área rural. Um oficial
russo que aqui esteve descreveu-o como "uma obra-prima da natureza".
De um lado, o mar. De outro, as montanhas.
Mas a chegada a Família Real à
cidade, em 1808, mudou a vida do Rio. Na verdade, mudou mesmo a vida de
Botafogo.
Quando chegou ao Brasil, dona
Carlota Joaquina - a esposa de D. João VI - escolheu um terreno em Botafogo
para construir sua mansão. Carlota Joaquina gostava de andar à cavalo vestindo
calças - um escândalo para a época. Suas cavalgadas prolongavam-se até a Lagoa.
Sua mansão ficava de frente
para a praia, na esquina com o Caminho Novo - atual Marquês de Abrantes.
Nota: Essa casa foi
comprada por Miguel Calmon du Pin e Almeida, Visconde com grandeza e depois Marquês
de Abrantes, (Santo Amaro da Purificação, Bahia, 23 de outubro de 1796 — Rio de
Janeiro, 13 de setembro de 1865), filho de José Gabriel Calmon de Almeida e de
Maria Germana de Sousa Magalhães. Em 1821, formou-se em Direito pela
Universidade de Coimbra.
Casou-se com Maria
Carolina de Piedade Pereira Baía, filha do Barão do Meriti, que dava as mais
belas festas do Império em sua casa na Glória.
Os Marqueses de
Abrantes, a exemplo do pai e do sogro, passaram a dar as mais extraordinárias
festas, e outros eventos, no solar de Botafogo, inclusive contando com a
presença da Família Imperial.
Minha lavra – Jorge Eduardo
Garcia
Voltemos:
A presença de Carlota Joaquina
imprimiu um novo estilo ao bairro. Botafogo se valorizou e suas terras
começaram a ser disputadíssimas.
De bairro rural,
transformou-se no local preferido pelos nobres e também pelos comerciantes
ingleses que procuravam Botafogo para fixar suas belas residências. Tanto que o
bairro ganhou o apelido de Green Lane. "O Rio é Botafogo, o resto é a
cidade indígena, a cidade negra", descreveu o escritor Lima Barreto em seu
livro Vida Urbana.
A enseada era tomada por
regatas promovidas pelo Marquês de Abrantes. Os barcos partiam da fortaleza de
São João e o ponto de chegada era o solar do nobre, localizado na avenida
Praieira. Da varanda o marquês assistia à competição, junto com seus convidados
e membros da Família Real ( da Família Imperial) . Lá estavam figuras históricas
como o Almirante Tamandaré e o Almirante Barroso.
A urbanização foi chegando
devagar. Em 1847, as ruas foram tomadas por carros de duas rodas e capota
puxados por animais. Vieram também as diligências e, mais tarde, o bonde de
tração animal da Companhia Jardim Botânico. Em 1854, o abastecimento de água
começou a funcionar e seis anos depois, a iluminação a gás veio substituir as
lamparinas de óleo de baleia. Em 1888 foi fundado um enorme depósito de gás na
Rua Ana, atual Jornalista Orlando Dantas, com capacidade para cinco mil litros
de gás.
O desenvolvimento avançava. Em
1870, na praia também funcionava a fábrica de produtos químicos de Aleixo Gary
& Companhia. Os trabalhadores da empresa, contratada para fazer a coleta do
lixo na rua, usavam uniformes com a inscrição "Gary". Foi aí que
começaram a ser chamados de gari, palavra que acabou se tornando um nome para a
profissão de lixeiro.
Foi na primeira metade daquele
século que as ruas começaram a definir os contornos do bairro. Antes, Botafogo
tinha apenas o Caminho do Berquó - hoje a Rua General Polidoro -, o Caminho de
Copacabana - atual Rua da Passagem -, a Praia de Botafogo e a São Clemente, que
cortava o bairro. Pouco a pouco, outras ruas começaram a surgir. O processo era
sempre o mesmo: as ruas eram abertas pelos proprietários das chácaras e, depois
doadas ao Município. Em 1825, foi aberta a Rua Voluntários da Pátria. No começo
era sem saída, só em 1870 é que a companhia de bondes Garden Rail Road
prolongou a rua até o Humaitá.
O lugar mais nobre continuava
sendo a Rua São Clemente, onde moravam todos os barões do café (e grandes
burgueses). Na Voluntários da Pátria, estabeleciam-se os pequenos nobres e
comerciantes.
Na década de 1850, surgiram as
Ruas Dona Mariana, Sorocaba e Delfim, que mais tarde foi rebatizada de Paulo
Barreto em homenagem ao escritor João do Rio. Havia ainda a rua do "Lá vai
um": era a Venceslau Brás, chamada assim porque ficava justamente entre o
hospício Pedro II, onde hoje funciona a UFRJ e o asilo Santa Teresa.
Inaugurado em 1852, o
Cemitério São João Batista é um marco na história do Rio de Janeiro. Foi um dos
primeiros cemitérios sem distinção de classes. Escravos e pobres eram
enterrados em cemitérios de covas rasas. Nobres e ricos, em cemitérios
particulares. Já os religiosos nas igrejas. O primeiro enterro no São João
Batista contou coma presença de Evaristo da Veiga, José de Alencar, Benjamim
Constant e Raul Pompéia. A igreja mais antiga de Botafogo foi a Matriz de São
João Batista, construída em 1831 e doada à igreja por Joaquim Batista Marques
de Leão. Já a Igreja da Imaculada Conceição do Sagrado Coração de Jesus, na
Praia de Botafogo, foi erguida em 1892 com suas torres em estilo gótico.
Já na metade do século XIX, o
bairro ganhou colégios, clínicas, casas de pasto e um comércio. Botafogo nesse
século também já tinha suas Casas de Saúde. A primeira foi a do Dr. Peixoto, na
Rua Marques de Olinda, que mais tarde foi rebatizada de Dr. Eiras. O primeiro
colégio foi o Imaculada Conceição, logo seguido pelo Colégio Santo Inácio, na
Rua São Clemente e pelo antigo Andrews, na Praia de Botafogo. O primeiro clube
foi o Guanabarense, fundado em 1870. O Clube Botafogo, foi fundado duas vezes.
Primeiro surgiu o Club de Regatas Botafogo em 1894, graças às regatas na
enseada, depois em 1904, nasceu o Botafogo Football Club. No começo o campo era
improvisado num terreno baldio da Rua Conde de Irajá. A união dos dois clubes
só aconteceu em 1942, sob ao nome de Botafogo de Futebol e Regatas.
Na Praia de Botafogo foi
fundado, em 1909, o Automóvel Clube. Aliás, o primeiro automóvel trazido para o
Brasil, um enorme carro a vapor, teve suas primeiras demonstrações por ali, na
praia. Até que numa destas, acabou explodindo. Mas por volta de 1903 e 1904, os
ricos e excêntricos já davam suas voltas motorizadas pelo bairro. Conta-se que
a primeira batida de carro do Brasil aconteceu em Botafogo. Mais precisamente
na Rua da Passagem, envolvendo o escritor Olavo Bilac.
Se antes Botafogo era local de
nobres, a partir de 1900 também passou a ser habitado por operários,
biscateiros e artesãos, funcionários públicos e militares, comerciantes e
profissionais liberais. Ao invés dos enormes casarões, as habitações coletivas
se tornaram a marca do bairro. A obra do escritor Aluísio Azevedo - O Cortiço -
se passa justamente numa vila da Rua Assunção. Já os mais abastados, moravam
nas vilas, outra característica do bairro. Entre 1925 e 1930 surgem as Ruas
Barão de Lucena e Guilhermina Guinle. Nessas ruas, inexistiam vilas pois uma
lei municipal já havia proibido a construção das mesmas em Botafogo. Começam a
surgir pequenos prédios, de no máximo quatro andares.
Nota: O Edifício
Leonam, Rua São Clemente, 2333, foi o primeiro arranha-céu de 8 andares, construído
na aristocrática rua pelo português Manoel Ferreira de Oliveira e sua esposa,
dona Odette Garcia de Oliveira.
Minha lavra – Jorge Eduardo
Garcia
Voltemos:
O crescimento de Copacabana e
do Jardim Botânico provocaram uma verdadeira explosão no comércio e nos
serviços de Botafogo. Os moradores desses novos bairros tinham que ir até
Botafogo por causa dos hospitais, escolas e mercados, e, retornavam às suas
casas no último bonde, o de quatro e meia da tarde. Enquanto Copacabana e
Jardim Botânico nas décadas de 40 e 50 registravam taxas de crescimento de 74% e
59% respectivamente, Botafogo registrava apenas 8%, se tornando a partir daí
uma mera ligação entre os diversos bairros da cidade. Dizem, que vem daí a
expressão bairro de passagem. Isso, é claro, dizem os menos românticos e sem
memória.
Enfim, a história de Botafogo
será entendida então, como a história das suas ruas, das suas praças, das suas
avenidas, dos seus espaços habitados, sejam eles de natureza pública ou
privada, ricos ou pobres, eruditos ou populares. O bairro pertence a todos nós,
seus habitantes, sendo nossa a responsabilidade de preservá-lo, identificando
os elementos componentes de seu patrimônio histórico, cultural, artístico e
ambiental, visto que ele constitui a sua memória.
* Pesquisa e Redação: Regina
Chiaradia
Bibliografia: História dos
Bairros, Botafogo - Grupo de Pesquisa em Habitação e Uso do Solo Urbano da UFRJ
Bairros do Rio, Botafogo &
Humaitá - Martha Ribas, Silvia Fraiha e Tiza Lobo
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