Mulatos bacharéis elegiam-se deputados no Brasil Imperial
Rosane Soares Santana
O século XIX, no Brasil, foi marcado pela ascensão dos
mulatos, com diploma de bacharel, a postos de destaque na política e na
administração pública, depois da implantação das faculdades de Direito de
Olinda (PE) e São Paulo (SP). O elemento racial era fator de diferenciação da
elite, composta de uma maioria identificada socialmente como branca, numa
sociedade escravocrata e estigmatizada pela cor da pele.
À época, raros foram os indivíduos egressos das classes
menos favorecidas da sociedade, geralmente negros e sem instrução superior, que
conseguiram romper o apartheid. Como disse Johann Moritz Rugendas
("Viajantes Estrangeiros na Bahia Oitocentista", Cultrix, 1980)
"os homens de cor embora muito assimilados aos brancos, constituem em sua
maioria as classes inferiores da sociedade". E os altos escalões da
burocracia e o Parlamento eram dominados pela minoria branca e rica, descendente
de europeus - grandes proprietários de terra e comerciantes.
Essa discriminação gerou o fenômeno da politização da cor,
que ganhou destaque nas duas décadas posteriores à Independência (1822),
segundo a historiadora Keila Grinberg, autora de estudos sobre o Brasil
oitocentista ("O fiador dos brasileiros", editora Civilização
Brasileira). Jornais, movimentos e até revoltas, como a Sabinada, na Bahia,
reivindicavam a igualdade entre homens livres. Inaugurou-se nesse período, de
acordo com Keila, o que poderíamos chamar de "luta contra a discriminação
racial".
Mulatos na política
O mulato baiano Antonio Pereira Rebouças, de origem pobre,
foi uma exceção digna de registro. Rábula, foi eleito seguidas vezes para a
Câmara dos Deputados, a partir dos anos 30 do século XIX, ocupando,
simultaneamente, também a cadeira de deputado provincial na Assembléia da
Bahia. Nasceu na cidade de Maragogipe, no Recôncavo baiano, filho do alfaiate
português Gaspar Pereira Rebouças com uma liberta (ex-escrava). É conhecido
ainda como pai do engenheiro e abolicionista André Rebouças.
Autodidata em Direito, em 1846, por notório saber, a Câmara
dos Deputados concedeu-lhe licença para advogar em todo o País. Aprendeu
direito trabalhando em um cartório, segundo um de seus biógrafos, Antonio
Loureiro de Souza. Foi também secretário do governo de Sergipe e Conselheiro do
Imperador D. Pedro II e um dos maiores especialistas em direito civil no Brasil
Imperial.
Mas, apesar de suas posições liberais na Câmara dos
Deputados, Rebouças "repudiou veementemente qualquer associação entre cor
e posições políticas ou condição social, segundo Keila Grinberg, autora da mais
completa biografia sobre o parlamentar. O motivo é simples. Como a maior parte
dos movimentos sociais e revoltas do Brasil, de então, tinha a participação dos
mulatos e negros (maioria da sociedade), reivindicando igualdade de direitos e
melhores condições de vida, Rebouças temia ser identificado como um radical.
Isso lhe valeu a crítica e o desprezo dos sabinos, que
liderados pelo médico mulato Francisco Sabino, na Bahia de 1837, tomaram
Salvador, capital da província, de assalto, destituindo o governo e nomeando um
governo independente. Em um conflito com notória dimensão racial, o mulato
Antônio Rebouças ficou do lado dos legalistas, organizando a resistência na
vila de Cachoeira, no recôncavo baiano, que derrotou os revoltosos.
Outro mulato, também baiano, destacou-se no Parlamento, no
século XIX. Trata-se do deputado geral Gê Acayaba de Montezuma, constituinte em
1846, já tendo sido ministro de várias pastas do Império na década de 30 dos
oitocentos. Foi condecorado visconde de Jequitinhonha por D. Pedro II.
Diferentemente de Rebouças, possuía origem abastada, tendo estudado direito na
prestigiosa Universidade de Coimbra, onde formou-se a maior parte da elite
política brasileira do século XIX, até a Independência.
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