quarta-feira, 16 de julho de 2014

JORGE EDUARDO GARCIA - IN FOCUS: Mulatos bacharéis elegiam-se deputados no Brasil Imperial, autora : Rosane Soares Santana


Mulatos bacharéis elegiam-se deputados no Brasil Imperial
Rosane Soares Santana

O século XIX, no Brasil, foi marcado pela ascensão dos mulatos, com diploma de bacharel, a postos de destaque na política e na administração pública, depois da implantação das faculdades de Direito de Olinda (PE) e São Paulo (SP). O elemento racial era fator de diferenciação da elite, composta de uma maioria identificada socialmente como branca, numa sociedade escravocrata e estigmatizada pela cor da pele.
À época, raros foram os indivíduos egressos das classes menos favorecidas da sociedade, geralmente negros e sem instrução superior, que conseguiram romper o apartheid. Como disse Johann Moritz Rugendas ("Viajantes Estrangeiros na Bahia Oitocentista", Cultrix, 1980) "os homens de cor embora muito assimilados aos brancos, constituem em sua maioria as classes inferiores da sociedade". E os altos escalões da burocracia e o Parlamento eram dominados pela minoria branca e rica, descendente de europeus - grandes proprietários de terra e comerciantes.
Essa discriminação gerou o fenômeno da politização da cor, que ganhou destaque nas duas décadas posteriores à Independência (1822), segundo a historiadora Keila Grinberg, autora de estudos sobre o Brasil oitocentista ("O fiador dos brasileiros", editora Civilização Brasileira). Jornais, movimentos e até revoltas, como a Sabinada, na Bahia, reivindicavam a igualdade entre homens livres. Inaugurou-se nesse período, de acordo com Keila, o que poderíamos chamar de "luta contra a discriminação racial".
Mulatos na política
O mulato baiano Antonio Pereira Rebouças, de origem pobre, foi uma exceção digna de registro. Rábula, foi eleito seguidas vezes para a Câmara dos Deputados, a partir dos anos 30 do século XIX, ocupando, simultaneamente, também a cadeira de deputado provincial na Assembléia da Bahia. Nasceu na cidade de Maragogipe, no Recôncavo baiano, filho do alfaiate português Gaspar Pereira Rebouças com uma liberta (ex-escrava). É conhecido ainda como pai do engenheiro e abolicionista André Rebouças.
Autodidata em Direito, em 1846, por notório saber, a Câmara dos Deputados concedeu-lhe licença para advogar em todo o País. Aprendeu direito trabalhando em um cartório, segundo um de seus biógrafos, Antonio Loureiro de Souza. Foi também secretário do governo de Sergipe e Conselheiro do Imperador D. Pedro II e um dos maiores especialistas em direito civil no Brasil Imperial.
Mas, apesar de suas posições liberais na Câmara dos Deputados, Rebouças "repudiou veementemente qualquer associação entre cor e posições políticas ou condição social, segundo Keila Grinberg, autora da mais completa biografia sobre o parlamentar. O motivo é simples. Como a maior parte dos movimentos sociais e revoltas do Brasil, de então, tinha a participação dos mulatos e negros (maioria da sociedade), reivindicando igualdade de direitos e melhores condições de vida, Rebouças temia ser identificado como um radical.
Isso lhe valeu a crítica e o desprezo dos sabinos, que liderados pelo médico mulato Francisco Sabino, na Bahia de 1837, tomaram Salvador, capital da província, de assalto, destituindo o governo e nomeando um governo independente. Em um conflito com notória dimensão racial, o mulato Antônio Rebouças ficou do lado dos legalistas, organizando a resistência na vila de Cachoeira, no recôncavo baiano, que derrotou os revoltosos.
Outro mulato, também baiano, destacou-se no Parlamento, no século XIX. Trata-se do deputado geral Gê Acayaba de Montezuma, constituinte em 1846, já tendo sido ministro de várias pastas do Império na década de 30 dos oitocentos. Foi condecorado visconde de Jequitinhonha por D. Pedro II. Diferentemente de Rebouças, possuía origem abastada, tendo estudado direito na prestigiosa Universidade de Coimbra, onde formou-se a maior parte da elite política brasileira do século XIX, até a Independência.

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