Onde o povo brasileiro
prefere colocar a bunda?
José Roberto Torero, no dia 22/10/11, publicou na Folha de S. Paulo a
carta de despedida que o Imperador Vespasiano deixou para seu filho Tito (que o
sucedeu no trono). Na carta, para justificar a construção do Coliseu de Roma,
ele indagava o seguinte: “onde o povo prefere pousar seu clunis [sua bunda]:
numa privada, num banco escolar ou num estádio?”. A carta foi redigida em
22/7/79, ou seja, um dia antes da morte do Imperador e há 1935 anos. Eis o seu
teor:
“Tito,
meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu, imperador. Espero que os
deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as tempestades e os inimigos,
acalmando os vulcões e os jornalistas. De minha parte, só o que posso fazer é
dar-te um conselho: não pare a construção do Colosseum. Em menos de um ano ele
ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória. Alguns senadores o
criticam, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos
a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere pousar seu clunis [sua bunda]: numa
privada, num banco de escola ou num estádio? Num estádio, é claro. Será uma
imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma por omnia saecula
saeculorum [por todos os séculos] e sempre que o olharem dirão: ‘Estás vendo
este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou’. Outra
vantagem do Colosseum: ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos
nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão.
Moralistas e loucos dirão que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas
todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas. Vel caeco appareat
(Até um cego vê isso). Portanto, deves construir esse estádio em Roma. Enfim,
meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase: Ad captandum vulgus, panem et
circenses (Para seduzir o povo, pão e circo). Esperarei por ti ao lado de
Júpiter.”
Para seduzir o povo, “pão e circo”. Onde falta o pão (economia
desaquecida, PIB fraco, inflação alta etc.), o circo vira confusão e chingação
(é isso o que vimos nos estádios quando anunciavam a presença de políticos). O
povo, furibundo, irado, indignado, já não pousa seu traseiro (seu clunis)
nos estádios, ao menos não faz isso com satisfação. Tampouco o povo brasileiro
se distingue pela bunda no banco escolar. A escolaridade média no Brasil (diz o
relatório de 2014 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é de
7,2 anos de estudo, a mesma que Kuwait e Zimbábue. A expectativa para a
escolaridade das crianças que hoje estão na escola é estimada em 15,2 anos,
igual a Montenegro e Irã. Que resta, então, ao brasileiro desgostoso? Colocar a
bunda na privada. Alguns brasileiros fazem isso diariamente. Mas somente
alguns! Como assim?
O vice-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Jan
Eliasson, surpreendeu o mundo todo no dia 29/4/13 ao anunciar que, dos mais de
sete bilhões de habitantes do planeta, a quase totalidade têm telefone celular,
mas apenas 4,5 bilhões possuem acesso a locais adequados para defecar. Cerca de
2,5 bilhões de pessoas, majoritariamente em áreas rurais, não possuem
saneamento básico. O mundo está saturado com uma abundância de telefones
celulares (que, hoje, já passaram de 7 bilhões), mas precisa desesperadamente
de mais latrinas. Tem gente segurando papel higiênico ou qualquer outro papel
em uma das mãos e um telefone celular na outra, procurando encontrar uma
latrina com seu GPS (sistema de posicionamento global). Desgraçadamente, muitas
vezes o aparelho informa que a latrina mais próxima está a cinco quilômetros de
distância. Mais de um bilhão de pessoas (das 2,5 bilhões que carecem de
saneamento adequado) não têm outra opção a não ser defecar ao ar livre [nos
campos, florestas ou mares], detalhou Eliasson. O povo, como se vê, prefere
mesmo é colocar a bunda em lugar nenhum: ele gosta de ficar em pé, com a cabeça
curvada, de olho nas minúsculas letras dos celulares, dedilhando-as sem parar,
muitas vezes em busca de uma latrina (PS: agradeço José Ademar pelo envio da
carta de Vespasiano).
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente
do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e
imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]
Nenhum comentário:
Postar um comentário