Tiago de Molay, na fogueira - Tiago de Molay - Filipe
IV , Rei de França, o Belo, o Rei de Mármore ou o Rei de Ferro,da Dinastia do Capetos Direto
Jornal O GLOBO digital
‘Game of Thrones’ na vida real
Fim do reinado de Filipe, O Belo, testemunhou a
dissolução dos templários e um grave caso de adultério
POR ANDRÉ MACHADO
14/06/2014 6:00
RIO - Intriga. Traição. Adultério. Execuções cruéis.
Perseguições. Não, não é um spoiler do último episódio da quarta temporada de
“Game of Thrones”, que termina domingo: é a França de 700 anos atrás,
imortalizada na ficção por outra saga célebre, “Os reis malditos”, série de
sete romances de Maurice Druon. Em 1314, a França medieval viveu um ano, para
dizer o mínimo, turbulento, sob o reinado de Filipe IV, conhecido como O Belo.
Naquele longínquo ano, foi dado o golpe final na Ordem dos Templários, com a
execução de seu último grão-mestre, Tiago de Molay, na fogueira. Também foi a
época em que se revelou um escândalo de adultério envolvendo duas noras do rei,
uma delas a esposa do primogênito, herdeiro do trono francês. O resultado foi a
execução brutal dos dois amantes das princesas. Por fim, antes de o ano acabar,
morreu o próprio rei, provavelmente de um acidente vascular cerebral, deixando
temporariamente um vácuo de poder, já que seus três filhos reinaram brevemente
em rápida sucessão, pouco acrescentando ao trono francês.
Heresia e morte na fogueira
A primeira cena dantesca do ano é a execução do
grão-mestre templário Tiago de Molay na fogueira. A morte de Molay, junto com o
preceptor templário na Normandia, Geoffroi de Charney, foi o último ato da
dissolução da Ordem, que começara em 1307, com a prisão de vários membros sob
acusação de heresia, idolatria, ritos profanos de iniciação (como cuspir na
cruz) e práticas homossexuais. A perseguição foi movida por Filipe IV, de olho
no dinheiro templário, em conjunto com o Papa Clemente V.
— Havia muita cobiça com relação aos tesouros que os
templários amealharam — diz Edmar Checon de Freitas, professor adjunto do
Departamento de História da UFF. — A Ordem não se inscrevia apenas no binômio
guerra e monasticismo: promovia, nos interstícios das monarquias feudais, uma
circulação de riqueza que ultrapassava a de muitos príncipes de então, daí o
desejo de se apoderar desses tesouros.
Torturados, os dois líderes inicialmente confessaram as
acusações, mas depois negaram as confissões. De nada adiantou: ambos foram
condenados à morte. Em 18 de março de 1314, foram queimados na fogueira. Antes
de morrer, Molay teria dito, segundo registros da época: “Deus sabe quem está
errado e quem pecou. Logo uma calamidade ocorrerá àqueles que nos condenaram à
morte”. Coincidência ou não, o Papa Clemente V morreu um mês depois da
execução, e o rei Filipe IV, em novembro.
— Não era incomum que condenados à morte amaldiçoassem e
lançassem impropérios a seus algozes, uma vez perdida toda a esperança após o
veredicto final — atalha Checon de Freitas.
Mas 1314 estava só começando. O rei Filipe tinha três
filhos, pela ordem Luís (o delfim), Filipe e Carlos — casados, respectivamente
com as princesas Margarida, Joana e Branca, todas da Borgonha. O monarca tinha
ainda outra filha, Isabela, casada com o rei inglês Eduardo II. Em 1313,
Isabela visitou as cunhadas e as presenteou com porta-moedas bordados. Mais
tarde, num banquete em Londres, Isabela notou que dois cavaleiros normandos,
Gautier e Filipe d’Aunay, estavam com as mesmas bolsinhas e desconfiou que
havia cheiro de adultério ali. Não demorou a informar o pai. Avisado, o rei
Filipe mandou vigiar as noras, e descobriu que Margarida e Branca traíam os
maridos com os cavaleiros. Joana seria a alcoviteira que armava os encontros
amorosos na Torre de Nesle, na margem sul do Sena. O desfecho foi terrível: os
cavaleiros normandos foram mortos em 19 de abril de 1314 com requintes de
crueldade após sua condenação.
— O cronista mais próximo da história diz que eles foram
primeiro esfolados vivos, depois castrados (no sentido de ter toda a região
sexual inutilizada, além da remoção dos órgãos) e finalmente decapitados — diz
o professor.
Momento político de sucessão
Margarida e Branca tiveram a cabeça raspada e foram
condenadas ao aprisionamento perpétuo. Margarida morreu de forma misteriosa,
supostamente por maus tratos na prisão, pouco antes do segundo casamento de seu
ex-marido, Luís. Houve rumores de que ele teria mandado assassiná-la. Já Joana
terminou absolvida.
— Chama muito a atenção no episódio da Torre de Nesle o
momento político da revelação da história, pois ela poderia complicar a
sucessão do rei Filipe, O Belo, que já chegava perto dos 50 anos — pondera
Edmar. — Isabela tinha interesse em revelar a história, pois assim seu filho, o
futuro Eduardo III, poderia ficar em melhor posição na linha sucessória
francesa.
Anos mais tarde, a própria Isabela tomaria o poder na
Inglaterra junto com seu amante Roger Mortimer, derrubando o marido Eduardo II
e temporariamente governando em nome do filho, Eduardo III.
— É de se supor que o rei Filipe IV tenha tido um enorme
desgosto com o caso. Seus filhos traídos eram bisnetos de São Luís, um dos reis
mais conhecidos por sua piedade e religiosidade — lembra Edmar. — E Filipe
provavelmente se via inscrito nessa linhagem de reis profundamente devotos.
Em 4 de novembro de 1314, Filipe IV foi caçar com um tio
numa floresta da Picardia e sofreu uma queda do cavalo, tendo um choque
repentino e perdendo a fala. Levado para o Castelo de Fontainebleau, onde
nascera, morreu no dia 29. Os eventos da Torre de Nesle afetaram sua sucessão:
seu herdeiro, Luís X, morreu dois anos depois, e o irmão Filipe assumiu o trono
após suspeitas sobre a paternidade da filha mais velha de Luís e a aplicação da
Lei Sálica, que vedava mulheres no trono (Luís teve um filho, João I, mas este
morreu com 5 dias de idade). Filipe V, por sua vez, morreu cedo sem deixar
herdeiros homens, o mesmo acontecendo a seu irmão e sucessor, Carlos IV. Assim,
o poder na França passou ao primo, Filipe VI. Mas desentendimentos deste com o
rei Edward III, da Inglaterra, filho de Isabela, acabaram levando ao início da
Guerra dos Cem anos, em 1337.
Read
more:
http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/game-of-thrones-na-vida-real-12856690#ixzz356fT1dps
Nenhum comentário:
Postar um comentário